São Sebastião mostra como déficit no saneamento pode agravar efeitos das mudanças climáticas

Por todo o mundo, a emergência de eventos climáticos cada vez mais extremos, como grandes inundações e longos períodos de seca, vem impondo novas dificuldades no acesso à água potável, especialmente para populações mais vulneráveis. No Brasil, o exemplo de São Sebastião, município turístico no Litoral Norte do estado de São Paulo, ajuda a explicitar como o déficit no saneamento e a escassez de água podem agravar os efeitos das mudanças climáticas na vida das pessoas.

Publicado em 19 set 2023

Escrito por Equipe IAS

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Imagem da Vila Sahy, em São Sebastião, após chuvas
Foto: Rovena Rosa (Agência Brasil)

Em fevereiro deste ano, durante o feriado de Carnaval, a cidade de São Sebastião foi assolada por intensas tempestades. A chuva que caiu na região litorânea em 24 horas foi a maior já registrada na história do país pelos órgãos responsáveis. O evento climático extremo provocou uma tragédia, deixando um rastro de mortes e destruição causadas por deslizamentos de terras e inundações. 

Quando a tempestade passou, os turistas começaram a voltar para suas casas enquanto a população local continuou lidando com as consequências dos temporais, entre elas a dificuldade no acesso à água potável. Mesmo bairros que contavam com rede de abastecimento ficaram sem água por dias, após a enxurrada reduzir a vazão da água tratada nas estações. Dias após as chuvas, a Secretaria de Saúde de São Sebastião detectou mais um problema: o aumento de 30% na ocorrência de gastroenterites, doença que pode ser provocada pelo contato com água contaminada.

Números do saneamento em São Sebastião

Dados da plataforma Municípios e Saneamento, uma iniciativa do IAS que consolida os números do saneamento em todos os municípios do Brasil, mostram que a tragédia climática apenas evidenciou o antigo problema do déficit na oferta de água e esgoto para os moradores de São Sebastião. 

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) é responsável por atender os habitantes de São Sebastião com abastecimento de água e tratamento de esgoto. Mas hoje, do total de  91.637 moradores, 22.817 não têm acesso à água.

75,1% da população de São Sebastião é atendida com abastecimento de água, frente a média de 96,6% do estado de São Paulo e 84,2% do país.

60,42% da população é atendida com esgotamento sanitário, frente a média de 92,18% do estado de São Paulo e 66,95% do país;

Já os dados sobre drenagem no município mostram que mesmo uma cobertura acima da média nacional foi insuficiente para evitar a tragédia dos deslizamentos. Em 2021, 65,4% da população de São Sebastião era atendida com Drenagem de Águas Pluviais, frente a média de 29,8% do estado de São Paulo e 25,96% do país. A responsabilidade por esse aspecto do saneamento é da Secretaria de Obras do município.

Ainda de acordo com dados compilados na plataforma Municípios e Saneamento, 100% da população da cidade é atendida com coleta de Resíduos Domiciliares e possui coleta seletiva de Resíduos Sólidos. 

Os números mostram que São Sebastião tem um longo caminho a percorrer para atingir a meta do novo Marco Legal do Saneamento, de garantir acesso a 99% da população à água e 90% a esgotamento sanitário até 2033.

Desigualdade econômica e déficit de saneamento andam juntos

A área mais afetada pelas chuvas é também uma das mais impactadas pelo déficit de saneamento em São Sebastião. A Vila Sahy concentrou o maior número de vítimas da tragédia climática do início do ano. A ocupação é formada por cerca de 500 famílias pobres, que vivem em moradias precárias na encosta da Serra do Mar, em uma área sem regularização fundiária e com infraestrutura urbana limitada. A comunidade, que começou a se instalar no local ainda na década de 1980, nunca contou com sistema de abastecimento de água e nem com rede de esgoto. 

Diante do déficit da cobertura de rede de esgoto de São Sebastião, os locais menos urbanizados da cidade costumam usar fossas sanitárias. Com as tempestades e os deslizamentos que arrastaram moradias, as fossas da Vila Sahy cederam, contaminando o solo e outras fontes de água, com impactos imediatos na saúde dos sobreviventes e também para o futuro do local. A região fica localizada no bioma da Mata Atlântica, em uma área de preservação ambiental.  

Após os eventos climáticos extremos, a Sabesp anunciou investimentos para ampliação do abastecimento de água em São Sebastião e prometeu elevar o índice de cobertura do município para 97% até o fim de 2023.  Para a universalização da rede de esgoto, o caminho é ainda mais longo e a Sabesp sinaliza com uma meta de ampliação até 2025.

Para alcançar o objetivo, a concessionária vai precisar inserir na conta as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), áreas demarcadas no território da cidade para assentamentos habitacionais de população de baixa renda, como é o caso da Vila Sahy. Originalmente, muitas ZEIS não estavam contempladas no contrato de prestação de serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento em São Sebastião, em mais uma demonstração de como a desigualdade é um obstáculo para a universalização do saneamento no Brasil.

Paula Pollini, analista de Políticas Públicas do IAS, explica que o município de São Sebastião apresenta, como consequência de seu processo de urbanização, diversos problemas decorrentes da ocupação irregular do solo, o que vai repercutir diretamente no acesso ao saneamento. “Existem ocupações irregulares compostas por empreendimentos de alto padrão como também por loteamentos para população de baixa renda. Ambos causam impactos urbanísticos e ambientais”, afirma. 

Após a tragédia na Vila Sahy, o próprio município reconheceu a existência de 7,1 mil famílias vivendo em áreas irregulares de São Sebastião. Segundo Paula Pollini, a cidade ganhou notoriedade em razão da intensidade da tempestade e de seus efeitos, mas o problema é mais amplo. “O contexto em questão também abrange outros municípios do litoral norte do estado de São Paulo, os quais, ao longo das últimas décadas, vêm passando por fortes pressões pela ocupação do solo baseada em um modelo diretamente associado às desigualdades de produção e ocupação dos espaços urbanos”, resume. Para a analista de Políticas Públicas do IAS, os esforços para a universalização do saneamento passam também pela necessidade de enfrentamento da problemática habitacional. Em recente relatório, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) apontou a ampliação do acesso à água potável como uma medida capaz de ajudar as pessoas no enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas. Já não basta oferecer cobertura de saneamento, é necessário criar infraestrutura hídrica e serviços resilientes às novas condições climáticas. O exemplo de São Sebastião mostra a importância dessa discussão.