São Paulo e as águas
Adaptação e resiliência para lidar com a nova realidade dos eventos climáticos. Artigo originalmente publicado na seção Espaço Aberto, do jornal O Estado de S. Paulo
Publicado em 06 mar 2025
Escrito por Equipe IAS
Tags:

Em 24 de janeiro, a cidade de São Paulo foi atingida pela tempestade mais intensa registrada na capital desde 1988, segundo o site Climatempo. Em apenas quatro horas, choveu cerca de 43% da média de chuva esperada para todo o mês. O aguaceiro rendeu imagens impressionantes, como a enxurrada dentro da estação de metrô Jardim São Paulo e o Beco do Batman transformado em rio. A Marginal Tietê alagou, situação que não acontecia há quatro anos
Conforme as mudanças climáticas se intensificam, eventos extremos se tornam o novo normal. Não cabe mais falar em “surpresa”, “imprevisto” e “emergência”. Se faz urgente o reconhecimento e a adaptação à nova realidade, não apenas para evitar tragédias, mas para estabelecer uma relação diferente das cidades com suas águas.
Peça fundamental nesse processo é o saneamento básico, em aspectos como drenagem, abastecimento de água e tratamento de esgotos. Nesse contexto, ele precisa ser pensado de forma inovadora, tanto no sentido de se evitar inundações e contaminação, quanto de se preparar para situações de abundância ou de escassez.
As chuvas do dia 24 de janeiro foram intensas, mas não atingiram toda a cidade: na região das represas Guarapiranga e Billings não choveu nesse dia. Aliás, a chuva acumulada até o fim de janeiro nos mananciais que abastecem a capital paulista foi inferior à média histórica, com volume pluviométrico de 228,7 mm de chuva, 11,1% abaixo dos 257,3 mm esperados.
Ações de defesa civil e emergenciais são fundamentais, como o alerta de perigo emitido para os celulares que surpreendeu os paulistanos. Mas estão longe de ser suficientes, como mostram as inundações recorrentes no Jardim Pantanal, na Zona Leste. A gestão e o desenvolvimento urbanos precisam sair da lógica de emergência para a da prevenção baseada em análise de riscos, ameaças e vulnerabilidades. Políticas, planos, programas e investimentos precisam ser atualizados. Setores como o imobiliário, o habitacional e o de transportes devem se engajar.
Há soluções que vêm sendo pensadas e testadas aqui e no exterior. Na Vila Madalena, um dos bairros mais atingidos pela chuva extrema de janeiro, a contenção e a infiltração da água da chuva nas partes mais altas reduziriam a velocidade e o volume da enxurrada, aumentando a capacidade do sistema de drenagem de escoar a água.
Durante a crise de escassez de água de 2014/2015, a construção de sistemas de reuso em prédios e cisternas em residências aconteceu em larga escala pela cidade. Com isso, foi possível reduzir em 15% a demanda de água a ser retirada dos mananciais. A população da cidade de São Paulo tem disposição para cooperar. Converter essas ações em política pública, ampliando seu alcance, teria um segundo benefício: a contenção de água a partir dos imóveis pode reduzir a sobrecarga no sistema de drenagem e evitar enchentes.
É uma lição que podemos aprender com cidades como Nova York, que desde 2007 tem um ousado plano de adaptação às mudanças do clima, incluindo estratégias relacionadas a aspectos estruturais, integração entre diferentes setores de governo, envolvimento da população e ações nos imóveis. Desde então, quase dois terços de seus marcos já foram alcançados, incluindo mais de um quarto da população com acesso a parques e áreas verdes próximas. São Paulo conta com uma Política Municipal de Mudança do Clima, institucionalizada pelo decreto 60.290/2021, que prevê muitas das iniciativas necessárias para tornar a capital mais resiliente aos eventos que estamos presenciando, mas ele mal saiu do papel.
O Instituto Água e Saneamento (IAS) acaba de lançar a publicação Adaptação e Saneamento: por um setor resiliente às mudanças climáticas, que discute soluções e apresenta bons exemplos. Um deles são as cidades-esponja chinesas, conceito que torna os ambientes urbanos resistentes a inundações, menos poluidores e com melhor qualidade de vida. No entanto, mudanças estruturais e comportamentais não acontecem da noite para o dia nem podem entrar na pauta apenas quando casas desabam e carros são levados pela enxurrada.
Marussia Whately Arquiteta e urbanista, coordenou a Aliança pela Água durante a crise hídrica de São Paulo. É diretora-executiva do Instituto Água e Saneamento (IAS)