Editorial IAS 2025 – Em ano de COP no Brasil, como fica o saneamento?
No contexto de emergência climática, cuidar das águas é uma estratégia estrutural na construção de resiliência nas cidades do país
Published in 31 Mar 2025
Written by By the IAS team
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Em 2025, o Brasil sediará a COP 30 – Conferência das Partes sobre o Clima, marcada para novembro em Belém. Até lá vamos ouvir falar muito em clima, aquecimento global, redução de emissões de gases de efeito estufa e adaptação. Um termo que talvez não apareça tanto neste contexto é saneamento básico.
É pelas águas que sentimos no dia a dia os efeitos das mudanças climáticas, seja por falta (secas prolongadas) ou por abundância (chuvas intensas que causam enchentes, alagamentos, desmoronamentos e outras situações de risco).
Só neste início de ano já foram cinco ondas de calor e diversos episódios de chuvas extremas em vários lugares do Brasil. O aumento da frequência e intensidade desses eventos tem grande impacto no nosso bem-estar, comprometendo as infraestruturas urbanas existentes e, ao mesmo tempo, colocando em xeque a suficiência delas e a urgência de revisão dos nossos modelos de desenvolvimento urbano.
Fica evidente que o saneamento das cidades brasileiras, ainda incompleto e precário em termos de acesso a toda população, não está à altura do desafio imposto pela emergência climática.
Motivado pela necessidade de se trazer mais informações sobre o papel do saneamento para a adaptação das cidades a esses cenários, o IAS produziu e lançou em fevereiro a publicação “Adaptação e Saneamento – Por um setor resiliente às mudanças climáticas”. Destacamos nela o papel estruturante do saneamento em estratégias mais robustas fora do país e que estão sendo bem sucedidos no enfrentamento de eventos climáticos extremos, tornando as cidades mais resilientes.
No Brasil, no plano federal, há o esforço do governo na produção do Plano Clima Adaptação, com seus 16 planos setoriais – em consulta pública até 25 de abril. O tema do saneamento básico, no entanto, está disperso, aparecendo em parte no plano setorial de Recursos Hídricos, e em parte no de Cidades. Essa fragmentação não potencializa ações ou estratégias de adaptação em que o saneamento figura como protagonista. Ao mesmo tempo, não dialoga com o contexto atual de mudanças do setor, com os desafios da universalização até 2033, o volume de investimentos que tem sido mobilizado e os novos arranjos territoriais.
O IAS vem acompanhando essas mudanças no setor desde a revisão do Marco Legal de Saneamento (Lei Federal 11.445/2007 alterada pela Lei 14.026/2020) e elaborou o “The New 2024 Sanitation Chart.” , que será atualizado em 2025.
No nível estadual, um exemplo emblemático das transformações do setor foi a privatização da Sabesp, maior empresa de saneamento da América Latina e que responde por 1/3 dos investimentos em saneamento no Brasil. No novo modelo foi assinado um único contrato para a prestação de água e esgoto em 375 municípios, em um novo arranjo de gestão associada entre esses municípios e o governo do estado. Ficam as questões de como este novo arranjo privado responderá a situações como uma provável crise hídrica, conforme previsto pela SP Águas, uma revisão da quantidade de água que se retira das represas e sistemas integrados (para a Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo), o papel da Sabesp em investimentos mais robustos de proteção e conservação dos mananciais, entre outras.
Na esfera municipal, observa-se uma perda do protagonismo dessas unidades federativas na gestão integrada dos quatro componentes do saneamento (água, esgoto, manejo de resíduos sólidos e drenagem urbana). O Marco Legal deu força para que os governos dos estados direcionassem as políticas para água e esgotamento sanitário. Com isso, os municípios perderam na articulação da gestão das águas urbanas. E é justamente no território que a água bate na cintura, literalmente. Os desafios são de ordem mais prática, com chuvas que causam transtornos imensos e escancaram a falta de preparo das cidades brasileiras: 83% dos municípios do país não possuem sistemas de alerta para inundações. Outro ponto que chama atenção é que os planos de adaptação são feitos pelos municípios, mas na prática, não são implementados. Como é o caso do PlanClima, da cidade de São Paulo, que data de 2019.
É fundamental incorporar o saneamento nas discussões de um ano em que haverá ainda mais atenção para questões climáticas, soluções inovadoras e abordagens que não tragam mais do mesmo. É preciso olhar para esses desafios e fortalecer as ações e correções de rota necessárias para que o saneamento de fato ganhe um papel estruturante para o enfrentamento dos eventos climáticos extremos e caminhe na construção de resiliência.