Futuro da Sabesp: lei aprovada, e muitas questões em aberto
Participação do governo e política de tarifas estão entre os pontos que necessitam mais esclarecimentos
Published in 15 Dec 2023
Written by By the IAS team
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No último dia 6 de dezembro, a Alesp aprovou o PL 1.501/2023 1, que autoriza o governo de São Paulo a avançar com a privatização da Sabesp. A tramitação foi em regime de urgência e durou menos de dois meses. Parlamentares tiveram menos de uma semana para apresentar emendas.
Houve apenas uma audiência pública, realizada no dia 16 de novembro. Diferentes vozes da sociedade, tais como organizações da sociedade civil ou municípios, foram pouco ouvidas. Um clima de polarização (“contra” ou “a favor” da privatização) atravessou todo o processo.
O dia da votação contou com intervenção desproporcional por parte da polícia contra manifestantes contrários à privatização. Houve confusão generalizada e a suspensão dos trabalhos. A sessão foi retomada com a sala ainda cheia de gás. Pedidos de adiamento para que parlamentares idosos e com problemas de saúde pudessem participar foram ignorados. Um terço dos deputados se retirou da sessão.
Esse encaminhamento açodado e que negligenciou a participação da sociedade, coroado pelas cenas de violência do dia da aprovação, vai na contramão das práticas republicanas e democráticas.
Em outro aspecto pouco republicano do processo, faltou transparência em relação às informações usadas para embasar a argumentação do governo em prol da desestatização. O estudo da consultoria IFC, do Banco Mundial, até agora não foi disponibilizado nos sites das duas secretarias diretamente envolvidas com a privatização: Secretaria de Parcerias e Investimentos e a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística 2. Em nome do interesse público, o IAS está disponibilizando o estudo em seu site.
Segundo o documento do IFC, “a modelagem proposta para o projeto envolve a adição de R$ 10 bilhões de investimentos (R$ 66 bilhões no total), adição de 1 milhão de pessoas a mais com serviços de água e esgoto (áreas mais vulneráveis – rurais e irregulares urbanas), antecipação da universalização do Novo Marco Legal em quatro anos (de 2033 para 2029) e redução tarifária a partir do uso de parte dos recursos gerados pela venda das ações do GESP, de modo que não haja impacto no valor da empresa e em seus acionistas”.
O relatório técnico do IFC afirma ainda que o modelo de venda da empresa deve ser um híbrido entre a oferta pública de ações existentes combinada com atração de acionistas de referência que assumirão a gestão da Sabesp 3.
Representantes do governo têm dito que sua participação acionária deve ficar entre 15% e 30% (frente aos atuais 50,3%). No entanto, isso não aparece em nenhum lugar no texto da lei aprovada pela Alesp, que não proíbe a venda total nem determina um limite mínimo de participação do governo.
Outro ponto divulgado pelo governo que merece atenção é a possibilidade de redução da tarifa por meio dos recursos da desestatização. A nova lei determina que o governo de São Paulo deve destinar, no mínimo, 30% dos recursos obtidos com a privatização para um novo fundo 4. Estes devem ser aplicados em ações de saneamento básico, com prioridade para modicidade tarifária, especialmente para populações vulneráveis. Quanto aos outros 70% dos recursos, não há obrigatoriedade de vinculação ao saneamento. O uso é imediato e pode se dar sobre outras áreas.
O cenário de universalização apresentado acima, argumento central em favor da privatização da Sabesp, tem como base dados de atendimento e cobertura dos serviços do Snis (Serviço Nacional de Informações sobre Saneamento). No entanto, com os critérios fornecidos não é possível verificar esses dados, se são habitantes de áreas rurais ou urbanas, se vivem em municípios pequenos ou grandes, qual sua condição de vulnerabilidade, se estão em área de risco, entre outros, todas informações básicas para uma análise da viabilidade técnica e financeira.
Com o aval da Alesp, o governo estadual agora deve conduzir duas frentes distintas e simultâneas. A primeira é a continuação da modelagem para venda da Sabesp, a ser concluída, segundo o estudo da IFC, em seis meses. A outra diz respeito à necessidade de articulação e inclusão dos municípios, titulares da gestão do saneamento desde a Constituição de 1988, nos novos desenhos de gestão impostos pela regionalização, conforme estabelece o Marco Legal do Saneamento revisado. A privatização ensejará uma nova fase de contratos e adesão dos municípios às Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (URAE) dentro do estado 5.
No entanto, muitas questões seguem em aberto ou precisam de aprofundamento, situação que abre espaço para dúvidas e insegurança. É simbólico que, uma semana depois da aprovação, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tenha mudado seu discurso de que a privatização iria “reduzir tarifa” para “a tarifa vai subir, mas a privatização garante que ela vai subir num valor menor”, conforme reportado pelo jornal Folha de S. Paulo. Até aqui, presenciamos um processo que deixou muito a desejar em termos de diálogo e transparência. Aumenta a responsabilidade dos poderes executivos e legislativos municipais de assegurar que essas questões sejam debatidas em nível local e de maneira aberta.
O IAS trabalha para monitorar e qualificar o debate sobre a universalização da água e do saneamento no país e seguirá acompanhando e produzindo informações sobre este que é um capítulo chave não só na história das privatizações no Brasil, mas também no complicado percurso do país quando se trata de fornecer acesso à água e saneamento a todos os seus cidadãos.
Notas de rodapé
1. Lei 17.853 sancionada pelo governador no dia 08 de dezembro de 2023
2. O site da Secretaria de Parcerias e Investimentos mantém uma página dedicada ao projeto Sabesp sem apresentar qualquer dado ou estudo (https://www.parceriaseminvestimentos.sp.gov.br/), já no site da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, conta apenas o “Guia Explicativo sobre a desestatização da Sabesp”, lançado em setembro de 2023, no modelo de uma cartilha, sem nenhum estudo ou justificativa técnica mais aprofundado (https://semil.sp.gov.br/srhsb/).
3. “Se criados mecanismos adequados que viabilizem maior controle, esse modelo pode atrair também acionistas de referência, importantes para atrair outros investidores e garantir a implementação de uma cultura de excelência para a empresa. Em termos de execução, pela Sabesp já ser uma empresa listada a nível nacional e internacional, esse modelo pode ser implementado de forma mais rápida e transparente a todos os potenciais participantes” (Relatório Fase 0 do IFC – International Finance Coorporation, World Bank Group, pág. 71). O estudo pode ser baixado neste link, no site do IAS.
4. Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (FAUSP).
5. A lei 17.383/2021 criou as unidades regionais de saneamento do Estado de São Paulo e por meio de decretos se estabeleceu o prazo para os municípios aderirem às respectivas URAES e criação das novas instâncias de governança regionais. O decreto estadual 67.880/2023 revisou o prazo de adesão que passou a ser meados de fevereiro de 2024.