Comprovação de capacidade econômico-financeira: quem fez e quem não fez

Publicado em 28 jan 2022

Escrito por Cristina Sena

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Seis companhias estaduais não conseguiram comprovar sua capacidade econômico-financeira, como determina o novo Marco Legal do Saneamento. O que acontece agora?

Por Paula Pollini

Em 31 de dezembro de 2021 terminou mais um prazo relacionado à implementação do novo Marco Legal do Saneamento no Brasil (Lei 14.026/2020). Essa era a data limite para que as companhias estaduais comprovassem sua capacidade econômico-financeira, ou seja, se possuem capacidade de investimentos suficiente para cumprir as metas de universalização de 99% da população com abastecimento de água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto sanitário até o ano de 2033 em todos municípios que atendem.

O que é capacidade financeira? Os contratos que já estavam firmados antes do novo Marco Legal precisam estar adequados às metas para a universalização, a serem cumpridas até 31 de dezembro de 2033. Para isso, as prestadoras devem comprovar junto aos órgãos de regulação que possuem capacidade de investimento suficiente para que todos os municípios de sua área de atuação alcancem 99% de atendimento de água potável e 90% de coleta e tratamento de esgoto sanitário.

Os documentos para a comprovação econômico-financeira dos prestadores devem estar de acordo com as diretrizes e procedimentos estabelecidos no Decreto 10.710/21 e terem sido entregues às agências reguladoras responsáveis pela fiscalização dos contratos no prazo de final de 2021, com cópia para a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Todo o processo, do envio da documentação até a anuência dos órgãos reguladores, incluindo eventuais recursos administrativos, deve ser concluído até 31 de março de 2022.

A comprovação acontece em duas etapas. Na primeira, considera-se os resultados de indicadores econômicos e financeiros ao longo dos últimos cinco anos. Na segunda, avalia-se os estudos de viabilidade por município e o global do prestador, bem como a captação de recursos próprios e de terceiros, tendo em vista as metas de universalização. A primeira etapa precisa ser avaliada por um auditor externo e a segunda por um certificador externo. 

Acesse as seguintes publicações para conhecer a metodologia em detalhes:

·         Cartilha para atendimento ao Decreto nº 10.710/2021, elaborada pela ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico;
·         Manual de Comprovação da Capacidade Econômico-financeira, elaborado pela FUNDACE e pelo escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados;
·         Boletim Saneamento julho/2021- USP Municípios e CEPER, elaborado pelo Prof. Rudinei Toneto Jr. e Profa. Maria Paula Vieira Cicogna;
·         Comentários ao Decreto nº 10.710/2021 – FGV CERI – Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura, autores: Ana Tereza Parente, Edson Daniel Lopes Gonçalves, Juliana Jerônimo Smiderle, Morganna Werneck Capodeferro e Pedro Henrique Engel Guimarães.

Quem deve comprovar? Os prestadores de serviço que atuem com base em contrato de programa — ou seja, as empresas estaduais de saneamento básico — e os prestadores privados que explorem o serviço com base em contrato, precedido de licitação e celebrado com o titular do serviço, de concessão ou de concessão patrocinada ou administrativa, para fins de aditamento dos contratos para inclusão das metas de universalização. A prestação feita de forma direta pelo titular, autarquia ou empresa pública do titular não precisa se submeter à comprovação.

Sobre os prestadores privados a cartilha produzida pela ANA esclarece que somente passarão pela avaliaçãose optarem por aditivar os contratos existentes para alterar as suas metas com a intenção de alcançar a universalização. No caso de o prestador de serviço privado não optar pela aditivação contratual, o Poder Concedente pode licitar a prestação do serviço residual ou prestar o serviço diretamente para garantir a universalização na área onde exerce a titularidade (Cartilha ANA, 2021,pg. 5).

Por terem passado por concessões recentes, há estados que já possuem contratos adequados às metas de universalização e não precisam realizar a comprovação, como: Alagoas, Amapá, Rio de Janeiro, Mato Grosso (este parcialmente, pois a concessão é apenas para o  serviços de esgotamento sanitário) e no caso do Distrito Federal, por ter prestação direta.

O mesmo ocorre para as empresas estatais em processo atual de desestatização, que terão sua capacidade econômico-financeira presumida, desde que atendidas as condições fixadas pelo art. 22 do Decreto (Manual FUNDACE, 2021, pág. 18).

Quem comprovou? A ANA divulgou uma lista dos prestadores de serviços que apresentaram a documentação de comprovação da capacidade econômico-financeira, dentro do prazo (https://www.gov.br/ana/pt-br/assuntos/noticias-e-eventos/noticias/ana-divulga-relacao-dos-prestadores-de-servicos-de-agua-potavel-ou-de-esgotamento-sanitario-que-apresentaram-documentacao-de-capacidade-economico-financeira)

Em relação às companhias estaduais de saneamento básico, grande parte hoje são empresas de economia mista com atuação regional em seus estados por meio de contratos de programa assinados com municípios. Do total, 15 entregaram toda a documentação: Sabesp (SP); Embasa (BA); Cagece (CE); Cesan (ES); Sanego (GO); Copasa e Copanor (MG); Sanesul (MS); Cagepa (PB); Compesa (PE); Sanepar (PN); Caern (RN); Caerd (RO); Corsan (RS); Casan (SC); e Deso (SE). 

Em relação às empresas privadas, sete apresentaram a documentação, sendo três de atuação regional: a Saneatins BRK no Tocantins; Águas de Juturnaíba S.A. que opera em municípios do estado do Rio de Janeiro; e BRK Ambiental no Maranhão, que atua em alguns municípios do estado. As outras quatro empresas operam em municípios específicos.

Quem não comprovou? Do conjunto de empresas estaduais seis não apresentaram os estudos de comprovação econômico-financeira: Sanacre (AC); Cosama (AM); Caema (MA); Cosanpa (PA); Agespisa (PI) e Caer (RR). Segundo levantamento do Estadão, empresas cujos contratos se tornaram irregulares por descumprimento ao novo Marco Legal afirmam que estão buscando adequar suas estruturas à nova lei, mas admitiram não ter cumprido a exigência de apresentar a comprovação de suas capacidades econômico-financeiras.

O que acontece com as empresas que não comprovaram sua capacidade econômico-financeira? De acordo com o decreto, os contratos de programa de prestação de serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário que não comprove sua capacidade econômico-financeira tornam-se irregulares. 

O Manual da Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (FUNDACE), produzido sobre Decreto 10.710/21, pondera o que significa o contrato estar irregular :
“A irregularidade a que se refere a LNSB [Lei Nacional de Saneamento Básico] e o Decreto nº 10.710/2021 não diz respeito à legalidade dos contratos, e sim à sua compatibilidade com a política pública estipulada pela União por meio da Lei nº 14.026/2020. (…) A incompatibilidade com diretrizes posteriores de política pública não significa que o contrato é inválido. Quer dizer, apenas, que ele não atende mais o interesse público, o que pode justificar sua extinção por meio de encampação.” (Manual Fundace, 2011, pág. 33).

Prazo apertado 

A conclusão do processo de comprovação da capacidade econômico-financeira deverá se dar até 31 de março de 2022. É o prazo no qual as agências reguladoras devem avaliar os estudos e declarar os contratos regulares ou irregulares. Nessa data, todos os eventuais recursos administrativos devem ter sido decididos. Esse também é o mesmo prazo para que os prestadores incluam em seus contratos termos aditivos, que são a garantia para o futuro cumprimento das metas trazidas na nova lei. 

Tendo as prestadoras cumprido o prazo de final de dezembro de 2021, as agências reguladoras possuem agora apenas 90 dias para avaliar, solicitar esclarecimentos e tomar uma decisão.

O prazo apertado e o conjunto de procedimentos que estão envolvidos são levantados pelo Manual da Fundace como pontos de atenção, principalmente quanto a inclusão de termos aditivos nos contratos: 

“Interpretando literalmente o teor do art. 19 [Decreto 10.710/2021], chegar-se-ia a um absurdo prático: não seria possível celebrar quaisquer aditivos para incorporação das metas de universalização, pois esgotado o prazo legal fixado para tanto, tornando fútil todo o procedimento de comprovação da capacidade econômico-financeira”.

“Logicamente, para atender ao prazo fixado pela LNSB, os termos aditivos para incorporação das metas deverão ser celebrados antes de finalizado o processo de comprovação da capacidade econômico-financeira do prestador. ” (Manual Fundace, 2021, pág. 33)

Soma-se ao curto tempo de avaliação, o atraso do governo federal em oito meses o lançamento do decreto com a metodologia de comprovação, o que motivou o questionamento judicial do prazo final (31 de dezembro)  e a tentativa de estendê-lo. As companhias justificaram que restou pouco tempo, apenas sete meses, para desenvolverem seus estudos. No entanto, a ação protocolada no STF pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) foi indeferida pelo Ministro Luís Barroso. 

O caso Sanepar

A Sanepar no Paraná realizou, em novembro de 2021, uma consulta pública que tinha como um dos objetivos a prorrogação dos contratos de programa/concessão com a justificativa de ser algo essencial para “fechar a conta”, para atingir as metas de universalização (Metodologia de reajuste tarifário anual dos serviços de saneamento de água e esgoto no 2º ciclo tarifário 2021 a 2024 http://www.agepar.pr.gov.br/Formulario/Consulta-Publica-no-0062021-Metodologia-de-reajuste-tarifario-anual-dos-servicos-de). Houve uma polêmica, pois alguns setores entenderam a iniciativa como uma forma de burlar a lei 14.026/2020, que proíbe novos contratos de programa (link matéria IstoÉ Dinheiro 13/012/2021). Por fim, a Sanepar divulgou uma nota afirmando que a comprovação da capacidade econômico-financeira foi elaborada sem a prorrogação dos contratos de programa/concessão (link matéria Estadão 05/01/2022).

Material de referência:

Lei 14.026/2020
Decreto n° 10.710/2021
Base de informação geral MDR
FGV / CERI
Fundace CEPER USP
ABAR

Cartilha ANA
Manual FUNDACE

Para saber mais sobre os processos de regionalização nos estados, ilustrados em dados e mapas, acesse o Observatório do Marco Legal do Saneamento, plataforma do IAS atualizada em tempo real.